quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A Semana



Ela canta, pobre ceifeira

Ela canta, pobre ceifeira,
Julgando-se feliz talvez;
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anônima viuvez,
Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse
Mais razões pra cantar que a vida.

Ah, canta, canta sem razão !
O que em mim sente 'stá pensando.
Derrama no meu coração a tua incerta voz ondeando !

Ah, poder ser tu, sendo eu !
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso ! Ó céu !
Ó campo ! Ó canção !

A ciência Pesa tanto e a vida é tão breve !

Entrai por mim dentro ! Tornai

Minha alma a vossa sombra leve !
Depois, levando-me, passai !

Fernando Pessoa


Inquietante. No mínimo é o que se pode dizer sobre a semana que acaba.

Estará o mundo desgovernado? Quem não gostaria, agora, de ser como

a pobre ceifeira que canta.


Dinis Machado


Há trinta anos, O Que Diz Molero era motivo de conversa em todas

as tertúlias de café.

Lá de casa já desapareceu essa edição e a mais recente, também, anda

desaparecida. «O caso do livro desaparecido» um nome possível para

um policial que McShade poderia ter escrito. Nunca se recupera um

livro emprestado e nos casos em que isso acontece é sempre pela mão

de pessoas que já não se usam, as do seu a seu dono.


Nobel


Jean-Marie Gustave Le Clézio ganhou o prémio. Nunca li nada que

tivesse escrito. Não é por não gostar da obra é por não a conhecer.

Vou ler, mas primeiro tenho de ler os livros de Doris Lessing , que

ganhou o prémio o ano passado ou no outro já nem sei pois também

não li o Pamuk.A propósito do prémio passiei pelos blogues e

constatei que ainda não li La Possibilité d’Une Île de Michel Houellebecq.

Quando foi publicado todos diziam que era do melhor que tinha sido

escrito. Na ânsia de ler e como não havia tradução comprei a edição francesa.

Até hoje.

Hoje estou azeda


E porque?

Não li os livros que gostava de ter lido. Tenho sempre pouco tempo.

O tempo esboroa-se-me por entre os dedos. Tenho de encontrar

maneira de alterar este meu pendor para perder tempo. Esta porcaria

cola-se à pele como doença contagiosa. No final de um dia de

trabalho, ainda assim são 7 horas, saio com a certeza de ter perdido

tempo precioso. Quem sabe se sentiria o mesmo se estivesse as

mesmas horas a semear batatas, a sachar ou a varejar . Como se

tudo isto não fosse um problema, um problema dos grandes,

entramos agora numa nova era. Um tempo em que deveríamos

estar unidos. Mas ao invés, estamos, muito de nós, convencidos

que é possível sobreviver sem os outros, fechados sobre nós e

os nossos.


AIG de férias


A AIG só não faliu porque o Estado lhe deitou a mão. Salvaram-se

de boa os americanos que têm lá a reforma.

Agora, que tudo está resolvido, os responsáveis pela empresa e pelo

prejuízo foram de férias. É o repouso do guerreiro. Mas ainda há quem

se indigne.